Um autêntico navio sem rumo. Navega ao sabor dos ventos e das marés. Guia-se pelas estrelas e não pelos instrumentos ao dispor. Não tem um verdadeiro comandante. Sobe e desce escadas, anda, desnorteado, entre a proa e popa e manda pela borda fora quem não lhe interessa. Apresenta-se risonho, rindo, talvez, de si próprio, distribui diplomas, ridículos prémios de meritocracia e nem conta dá que a tripulação boceja e apenas não tem coragem de o mandar cantar para outra freguesia. Agacha-se, porque precisa do salário, desencantada, cansada, muitos com sinais de "burnout", contando os dias para a pausa pedagógica e as férias. Chegará o dia. Inevitavelmente. Porque nestas águas, mesmo que turvas, os barris de azeite tenderão vir à tona. A tripulação já não aguenta tanta incompetência, tanto papel, tanta grelha, tanta "ordem de serviço" vindas do ineficaz "comando", tanto paleio desconforme com a sua formação na "escola náutica". É sensível que o navio, com 6.500 tripulantes e quarenta e tal mil a bordo, tem a proa bem dentro de água, neste mar de ondas alterosas. E o comandante continua impávido e sereno. Ri-se! Ele e o seu superior hierárquico que, algumas vezes, parece um chefe distraído e sem opinião.
Deixo a metáfora e fixo-me no assunto mais sério. Apressadamente, caminhamos para mais quatro anos de insucesso no sistema educativo. Quatro anos de paleio, de mistificações, de alheamento das obrigações constitucionais públicas para oferecer, de bandeja, quase cem milhões ao privado. Quatro anos de um arrepiante faz-de-conta, de algumas perseguições, directas e indirectas, de total submissão dos quadros intermédios, de continuado sequestro da autonomia administrativa, gestionária e financeira dos estabelecimentos de aprendizagem, de sucessivos cinismos e ouvidos de mercador, relativamente ao que é dito em jornadas, congressos, seminários, revistas, livros e outros, onde tudo entra a cem e sai a duzentos, prevalecendo a vontade de um ou de uns que abdicam do conhecimento para seguir os caminhos da ideologia dominante. Não existe(iu) um rasgo de pensamento crítico, de provocação bem intencionada, de colocar, em cima da mesa, sem qualquer receio, os assuntos mais importantes, discutindo-os com humildade, frontalidade e profundidade. Quatro anos onde se continuou a assistir, sensível publicamente, a um divórcio com as instituições universitárias, instituições que investigam, que possuem excelentes quadros, mas que deles o "comandante" parece nem querer ouvir os necessários alertas e conselhos. Mais quatro anos vividos na torre de marfim, escudado em falsas verdades, de palavras de circunstância em fóruns para escutar os aplausos da plateia (normalmente, a plateia aplaude toda a gente), quando nos estabelecimentos de aprendizagem continuam as eternas rotinas de uma máquina velha, ferrugenta e desadequada no tempo.
Se alguém pensa que compra o voto dos professores com os nove anos, quatro meses e dois dias de tempo congelado, está totalmente enganado. Alguns poderão ficar agradecidos, mas não esquecem os tormentos, as tensões, as depressões, as incompreensões, as ameaças, as intermináveis burocracias, as fusões de escolas, a indisciplina, as faltas de tanta coisa necessária, as violações de consciência e os atentados contra a sua dignidade profissional.
Não esquecem, porque são adultos, e porque, na cabina de voto, naquele acto solitário, em segundos sobressairá a história das angústias relativamente ao merecido docinho do avanço na carreira. O que aqui escrevo é o resultado de conversas que tenho com vários professores, mensagens que me chegam de pessoas identificadas, que assim pensam e com os quais concordo nas observações globais que produzem. Uma coisa são os direitos salariais, outra é a questão mais profunda e que a milhares preocupa: o sistema educativo. No fundo, que sistema estão a proporcionar para que, daqui por dez, quinze anos, o sentimento que reste seja o de que valeu a pena.
A robótica e as salas de aula do futuro são acenos marginais. Quem por aí caminha está a ver o problema ao contrário ou, no mínimo, não demonstra qualquer sentido de prioridades. E essas são, desde logo, no quadro da Autonomia, as de natureza organizacional, curricular, programática e pedagógica e, a montante, as de natureza social. A robótica não vem resolver nada de fundo. Antes disso há muitos aspectos a rever. Servirá a uns, certamente, servirá algumas empresas interessadas em vender equipamentos, obviamente que sim, mas não servirá de caminho seguro na antecipação do futuro, simplesmente porque é um erro encurtar etapas. Da mesma forma que uma, duas ou três "salas do futuro" de nada servirão quando a lógica organizacional e pedagógica do sistema assenta em uma base de genérica incultura.
Há medo de mudar, de forma serena e consistente, há medo de questionar, há medo de sair do conhecido e de partir no sentido da descoberta. Há receio em perder a mão e o controlo sobre as escolas e há pavor daqueles que fogem à rotina e tentam ver para além do horizonte. A mentalidade reinante do regime, salvo os contextos e a distância histórica, "é que os jovens não precisam de pensar porque há quem pense por eles". Nem os jovens nem os professores. Isto significa que o sistema enferma de uma genérica falta de inovação e, daí, de qualidade, porque é centralista, não permite espaço à criação, funda-se no repetitivo e em uma pressuposta aprendizagem de assuntos para esquecer, ainda porque está, sobremaneira, obcecado na avaliação e não no conhecimento e na cultura. Vive do anúncio de iniciativas desfasadas da realidade o que me leva a concluir da existência de um espartilho que comprime e sufoca a liberdade de ensinar e o gosto por aprender. E sendo assim, foram mais quatro anos a ver navios... a afundar!
Ilustração: Google Imagens.
NOTA
Publicado no blogue
www.gnose.eu
NOTA
Publicado no blogue
www.gnose.eu
Sem comentários:
Enviar um comentário