Começa a ser hora de balanço. Hoje, os estudantes entraram na derradeira etapa do ano escolar. Já escutei, com humor, que se trata de um "período-anão" face ao número de semanas. Se, para os estudantes, o ano corre para as férias mais longas, para o sistema é tempo de deitar contas à vida e de analisar, globalmente, não apenas o que foi realizado em 2018/19, mas no período da Legislatura. O secretário, esse, obviamente, não tem qualquer dúvida: "Quatro anos de progresso na Educação". Ninguém esperaria outra leitura. Para ele foi de sucesso a 100%! Não consegue descobrir uma pontinha de fragilidade. Dizia-me há tempos um político que, até na cadeia, se perguntarmos, a maioria dirá que é inocente! Aliás, a entrevista de auto-elogio, toda ela fez-me lembrar um notável sketch do Herman que, na situação de entrevistado, invariavelmente, iniciava a resposta com um "ainda bem que me fez essa pergunta".
O secretário teve duas páginas para abordar questões sérias e profundas, mas preferiu uma descabida gabarolice de trazer por casa que, no fundo, acrescenta ao sistema mais um zero à esquerda. Fugir às questões estruturantes, porque não quer ou porque não sabe, tornou-se a sua indelével marca. Não está para aí virado, para a reorganização do sistema que implique uma nova e estruturada visão de toda a sua complexidade, desde a família à escola, passando por todo o sistema de organização da sociedade. Só para o secretário e alguns próximos é que foram "quatro anos de progresso na Educação". Qualquer pessoa que estude, minimamente, o sistema, concluirá que nas suas traves-mestras, o sistema continua aquilo que sempre foi, um sistema acomodado, repetitivo, limitador de horizontes, castrador do pensamento livre, incrustado em uma densa teia burocrática, condicionador da acção dos docentes, sobretudo dos que pretendem seguir e gerar as condições de uma escola com direito ao sonho. Um secretário que, de forma cega, impõe a sua regra, que fecha os olhos ao mundo, que demonstra receio pelo que de bom os outros são capazes de operacionalizar, que vive incomodado com os êxitos que escapam ao seu controlo, que não sabe potenciar as experiências de sucesso, que manifesta o desejo de ter tudo debaixo do seu ávido controlo, que exprime vaidade e necessidade de holofotes, torna-se em um construtor da antítese de quatro anos de progresso. Simplesmente porque não é possível o progresso quando este não assenta em uma estrutura transversalmente consistente e cientificamente substantiva.
"Pensar é mover-se no infinito" escreveu Henri Lacordaire (1802/1861), padre, jornalista, educador, deputado e académico. Acho interessante esta frase, porque a escola continua a não estar, passe o pleonasmo, pensada para fazer pensar. Esta escola rouba o direito ao sonho e este direito de sonhar não pode ser apenas para alguns, mas para todos.
Ora, o sistema é mais do que fundir escolas e derramar 25 milhões por ano na educação privada. A arte visionária de educar é muito mais do que horários, campainhas, livros de ponto, cumprimento dos manuais, reuniões e mais reuniões para repetir o óbvio, mofentas burocracias destinadas ao arquivo morto, estéreis paleios sobre a "robotização" ou salas ditas do "futuro". A escola tem de ser vida e dela não pode estar desligada. Os muros que a circundam não devem obstar o direito de cada um ser culto e de optar pelo futuro que lhe interessa. A escola não pode ser um "fatinho" de padrão e número igual para todos. Preferível seria, ao contrário de uma apregoada escola para todos, dispor de uma escola para cada um. Esta imagem implica que a escola tenha de fugir, de forma integrada, ao pressuposto de remediadora social, à ideia de armazém, para situar-se no plano do pensamento que se move para o infinito. Porque o mundo não termina na Ponta de S. Lourenço, embora o sistema creia que sim. Um sistema que assenta nos princípios do Século XIX, obviamente, que denota descontextualização com o presente e desconectamento com o futuro. Não existe, pois, progresso quando se assiste à morte do pensamento crítico e da liberdade de ensinar e de aprender.
Então, o que restou desta Legislatura, questiono? Lamentavelmente, sobressaiu a vergonhosa sansão aplicada ao Dr. Joaquim José Sousa da Escola do Curral das Freiras. A entrevista ao DN é clara nessa matéria, quando o secretário, sacudindo a água do capote político, afirma ter sido a Inspecção Regional a decidir-se por uma sanção de seis meses sem salário, quando foi o próprio secretário que os aplicou, impedindo desta forma um eventual recurso. Atirou-se a toda a comunidade educativa através de um docente. Ficou limpinho que uma escola que pretendeu ser inovadora, no quadro da sua autonomia administrativa e gestionária, uma escola que, no entendimento político, fez "sombra" ao secretário, uma escola que foi tema, pela positiva, em todo o espaço nacional, uma escola que ganhou prémios nacionais, no fundo estava a mais no quadro das suas regras assentes no excesso de valor que tem de si próprio. O bloqueio à autonomia da escola, consubstanciada na sua fusão, tratou-se de um "crime social", porque quando se coarcta o direito à diferença, com resultados, sublinho, quando a escola é portadora de um sonho para todos e se corta a cabeça do líder, porque infringiu(?) umas regras burocráticas de treta, isto significa que quem está a mais no sistema não é o professor que desejou ir longe, mas o secretário que quer ser o centro da atenção embora com aparência política falsa. Pior ainda, o que fica destes quatro anos, são os reflexos desta sansão como quem quis dizer aos mais de seis mil professores, cuidado, não queiram seguir o mesmo caminho, pois levam! Só acrescentou desmotivação e medo a uma classe já de si dividida e pouco solidária.
Portanto, o essencial desta Legislatura centra-se na memória que fica relativamente à história das fusões de estabelecimentos de educação e ensino e na ridícula, indecorosa e vexatória humilhação da escola do Curral das Freiras. Sobre a sanção aplicada ao Dr. Joaquim Sousa caberá, agora, ao Tribunal Administrativo pronunciar-se. Há que aguardar. O processo só agora começou e, em Setembro, há eleições legislativas regionais. Porém, politicamente, não partidariamente, o secretário, em jeito de balanço, tem muito que explicar. O que é que o sistema ganhou com a extinção da autonomia da escola do Curral? Que engrenagem (sofisticada) foi montada para matar uma tentativa de uma escola que desejou ser coerente com os novos tempos? Em que está a resultar a "destruição" do seu projecto educativo? Como se sentem, hoje, a generalidade os professores que lá trabalham? Por que permitiu eleições na escola, ganhas pelo Professor Joaquim Sousa e, logo depois, a funde com outra? E o que pensam os alunos, pais e a comunidade em geral? Tem muito que explicar sobre estes quatro anos perdidos e de culto da imagem. Certo, segundo julgo saber, é que o êxito que a escola apresentou no passado recente, poderá vir a ser tema de uma Dissertação de Mestrado ou tese de Doutoramento.
Ilustração: Google Imagens.
NOTA
Texto publicado no blogue
www.gnose.eu
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