quinta-feira, 16 de julho de 2020

Quer que os seus filhos tenham boas notas a Matemática? É a brincar que se começa


Um terço dos alunos entra com negativa a Matemática no ensino secundário. Se andarmos uns anos de escolaridade para trás, a disciplina é também o calcanhar de Aquiles dos alunos do 6.º ano, é aquela que tem os piores indicadores no 2.º ciclo. Muito se tem falado da formação inicial dos professores do 1.º ciclo e a necessidade de terem maior sensibilidade para esta ciência. E os pais, o que podem fazer antes mesmo de a criança chegar à escola? Brincar, respondem os especialistas.

Pedro Palhares, professor do Instituto de Educação da Universidade do Minho, defende que a situação tem melhorado, baseando-se nos estudos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE): “Se compararmos a situação de Portugal no fim do século passado com a de agora, há diferenças consideráveis na comparação internacional no PISA (alunos de 15 anos) e no TIMSS (4.º ano). Vemos inclusivamente que na comparação no 4.º ano estamos muito acima da média dos países analisados e poucos são os países ocidentais à nossa frente.” 

Joana Brocardo, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e ligada à formação de professores do ensino básico, começa por salvaguardar que os docentes do 1.º ciclo são “generalistas” pois ensinam da Língua Portuguesa à Matemática, passando pelo Ensino Experimental das Ciências, mas acrescenta que o trabalho feito junto dos futuros docentes tem sido essencial para a melhoria dos resultados dos alunos. 

“A investigação em educação indica que as famílias são uma parte essencial do processo de aprendizagem”, declara Pedro Palhares. Por isso, podem dar o seu contributo desde cedo, defende, por seu lado, Carlos Grosso, professor de Matemática da Escola Secundária Pedro Nunes, em Lisboa, e ligado à formação de professores do 1.º ciclo na Escola Superior de Educação João de Deus.

1. Falar de Matemática

As crianças gostam “naturalmente de contar, de resolver problemas, de aprender”, constata Joana Brocardo. Por isso, cabe aos pais incentivar esse gosto, mas de forma natural e não como uma obrigação. “Falem sempre da Matemática de forma positiva”, propõe Pedro Palhares.

O “encorajamento dos pais assegurará que as crianças não desenvolvam bloqueios mentais sobre a disciplina”, acrescenta o professor do Minho. Por isso, há que introduzi-las nas conversas de forma descontraída. Carlos Grosso dá um exemplo: Ao descascar uma peça de fruta, o pai vai dizendo “toma 1/4 da maçã” e está a introduzir as fracções. Ou, “vai buscar dois copos. Quantos estão na mesa?” e a criança vai aprendendo a contar. Pedro Palhares reforça: os pais devem encorajar as crianças a contar objectos reais, as bolachas, as moedas, os brinquedos. Desta forma, “descobrem que a contagem é mais do que uma repetição musicada quando contam objectos reais”, diz.


“As sementes para muitos conceitos matemáticos são lançadas quando as crianças são muito novas e as primeiras experiências podem determinar como é que as crianças olham para a matemática para o resto das suas vidas”, afirma Pedro Palhares (...).

2. Transformar a Matemática numa actividade de família

Fazer jogos de tabuleiro ou puzzles ajudam a estimular o cérebro. Carlos Grosso lembra que este órgão deve ser estimulado. Além dos jogos, há actividades do dia-a-dia que podem contribuir para a percepção da importância da Matemática, por exemplo, fazer um bolo e medir os ingredientes ou ir às compras e “fazer pequenas continhas”, propõe o professor de Lisboa.

Pedro Palhares dá outros exemplos como, em casa, separar os brinquedos pelo tamanho, tipo ou cor; descobrir quantos copos de leite há na embalagem de um litro. “No resto da casa, as crianças poderão encontrar o comprimento e a largura do chão de um quarto. Ou a sua capacidade. Ou desenhar um diagrama para refazer a mobília num quarto. Ou desenhar um mapa da casa”, continua o investigador do Minho. 

3. Jogar jogos matemáticos

"Os jogos em geral constituem uma boa oportunidade de aperfeiçoar estratégias”, aponta Pedro Palhares. Muitos jogos de tabuleiro envolvem contagens ou, por exemplo, o Monopólio permite contar dinheiro. E assim vai aprendendo a adição, aponta Carlos Grosso.

Palhares dá mais dois exemplos, os jogos de cartas e o dominó. No primeiro, há jogos que envolvem marcar pontos ou a separação em naipes. Já o segundo “é óptimo para transformar a Matemática num jogo, porque podem usá-lo de várias maneiras. Os dominós tradicionais podem ajudar na contagem, correspondência, reconhecimento de números pares e ímpares, adição e subtracção”, explica.

4. Observar a Matemática no mundo que nos rodeia

A Matemática está em todo o lado, na nossa casa, mas também em tudo o que nos rodeia, refere Carlos Grosso. As férias do Verão são uma boa altura para ajudar as crianças a descobrir a “utilidade da Matemática” na natureza ou num monumento.

“Quando estiverem fora de casa, procurem formas de mostrar Matemática: Que forma é que aquela árvore parece ter? Qual a forma de um campo de futebol? Qual a distância de baliza a baliza?”, exemplifica Pedro Palhares.

5. Construir expectativas altas para os filhos

Todas estas propostas devem entrar na vida das crianças de forma natural, reforça Carlos Grosso. Aos pais cabe fazê-lo com descontracção e naturalidade, “na brincadeira” e não forçar a criança ou castigá-la.

Por exemplo, a criança pode usar os dedos para contar. “Não se preocupe que a criança use os dedos. Os humanos desenvolveram-se mais por causa do uso dos dedos”, diz Palhares. Aliás, o sistema de base decimal assim se chama precisamente porque temos dez dedos, acrescenta Grosso, que incentiva os pais a introduzir os meninos na multiplicação porque não há dedos que cheguem para dizer, por exemplo, quanto são 4 x 7. “A tabuada reforça o treino da memória”, defende.

“Tenham confiança que os vossos filhos podem aprender Matemática e dêem-lhes um suporte activo na sua aprendizagem”, diz Pedro Palhares aos pais.

Regresso à escola

À ideia é que quando as crianças cheguem ao 1.º ciclo já tenham algumas destas noções e não olhem para a Matemática como um bicho-papão. À medida que os meninos vão crescendo, o papel dos pais não deixa de ser importante. “Procurem programas e actividades matemáticas para os vossos filhos”, propõem o professor Pedro Palhares.

Agora, por altura das férias, Carlos Grosso não vê mal que as crianças, sobretudo as que já estão na escola, façam algumas actividades dos manuais. Quando regressarem às aulas, cabe aos encarregados de educação conversarem com os filhos, saberem o que estão a estudar, se têm trabalhos de casa, podem até ajudá-los nalgum projecto, considera Palhares, que também defende que os pais devem conversar com os professores, de maneira a acompanharem melhor o desenvolvimento das aprendizagens.

“Muitos pais preocupam-se por não saberem a matemática que os filhos estão a estudar. Neste caso o melhor é perguntar e ouvir a criança com atenção”, recomenda o professor da Universidade do Minho. “Quando se dá a oportunidade às crianças de falarem sobre a Matemática, muitas vezes elas conseguem lembrar-se do que aprenderam na aula e vêem a solução por elas próprias. Uma boa pergunta pode despoletar o raciocínio da criança sobre o problema”, justifica, salvaguardando que cabe aos pais manter a calma.

“Os miúdos sabem pensar muito bem e não se pode matar essa curiosidade”, conclui Joana Brocardo.

Fonte: Público

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