quarta-feira, 22 de julho de 2020

A Educação Física não deveria contar para nada... melhor, apenas deveria contar para a construção plena do ser humano


Tive excelentes professores na minha formação inicial e complementar. Docentes de mentalidade aberta ao mundo e ao conhecimento. Foram eles que deram substância aos quarenta anos de actividade docente. Mantive um profundo relacionamento com algumas personalidades que fizeram toda a sua vida no plano universitário, com um dos quais tive o privilégio de ser Assistente durante oito anos. Li muitos investigadores e autores sobre a matéria que aqui me traz. Talvez um pouco por tudo isto tenha um posicionamento que não se coaduna com a escola e as práticas impostas lá vividas. Não simpatizo, desde logo no ensino básico, com a formatada ideia de ciclos de estudo, com o excessivo número de alunos por estabelecimento de aprendizagem, com a existência formal de turmas, com a clássica ideia de "aulas" e, entre outros aspectos de importância maior, com a obcecada e até doentia preocupação pela avaliação contaminada por um anacrónico processo burocrático.


A escola deve ser sinónima de liberdade e rigor, deve partir de baixo para cima e não sujeita a uma característica verticalizada e centralizadora, deve visar a aprendizagem consistente, deve ir ao encontro dos sonhos e dos interesses, por isso não pode constituir-se em um espaço de pensamento redutor, de rotinas enervantes que transportam o falso princípio que tudo é pensado e elaborado no sentido do interesse dos alunos. Mesmo que eles nunca sejam escutados! 

Não quero desviar-me, por isso vou directo ao assunto que me preocupa: a avaliação na Educação Física. Independentemente da expressão que considero, no tempo que estamos a viver (há mais de 50  anos), absolutamente limitadora e, como escreveu o Professor Nelson Mendes (no livro A Humanização do Movimento), por ser "estática e não válida", a sua importância, com outra designação, é decisiva na formação de um jovem, primeiro, no desenvolvimento da sua motricidade, depois, nas múltiplas opções de prática física ou desportiva. Ainda há dias, em um debate de relevante significado, o Doutor Carlos Neto, da Faculdade de Motricidade Humana, falou da relevância do brincar no pressuposto que a criança que mais joga torna-se mais bem preparada para todos os outros desafios. Só que o brincar (jogar) não deve ser imposto, deve constituir um acto de descoberta, de vivência e solução de situações múltiplas e inabituais que integrarão aquelas que são as bases do património motor. O professor deve ali estar como estímulo. Só que o adulto, normalmente, condicionado pelo "programa" superiormente definido, impõe, condiciona e estraga o que deveria ser espantosamente libertador.

Numa segunda fase, já no actual segundo e terceiro ciclos (para quê os ciclos de aprendizagem?), o problema agudiza-se. Os "programas" têm de ser cumpridos e sujeitos a uma avaliação por níveis (1 a 5). No secundário, então, é a loucura total: as notas contam para a média geral de curso e de acesso ao patamar superior. É paranóico. Confesso que os níveis e notas nunca me interessaram e sempre os combati. Não é essa a vocação primeira de um professor. Aliás, nunca me senti importante por "dar notas". Antes senti-me desconfortável, porque, o que faz sentido é deixar a semente por uma prática física e ou desportiva para a vida. Vejo-os "preocupados" com  testes e trabalhos que são uma perda de tempo. Por isso ajudei, isso sim, dentro de muitas limitações, pessoais e espaciais, que compreendessem e integrassem princípios e valores na construção do ser humano. Conquistá-los ao invés de afastá-los foi o caminho que escolhi.

Depois de tantos anos, lamentavelmente, continuo a assistir a desempenhos que buscam a Educação Física (com esta ou outra designação) como uma disciplina igual às outras, quando deveriam sustentar a sua actividade e o seu indiscutível valor na DIFERENÇA. Procuram o "ensino" e não procuram a "aprendizagem". Optam pelo cumprimento do programa e não pela construção multifacetada do ser humano. Ora, se o modo como, transversalmente, a aprendizagem é proporcionada está errada na raiz, então, na dita Educação Física, roça o espaço do ridículo. E porque este caminho de insensatez prevalece, com o apoio dos governos, chega-se ao ponto, por um lado, de haver estudantes com 17, 18 e 19 de média nas restantes disciplinas e com um tímido 13, 14, 15 na disciplina de Educação Física; por outro, sobretudo nos colégios privados, assiste-se à inflação das notas, atribuindo 18, 19 e 20 valores para que a média dos alunos melhore, facto que já deu origem a inquéritos e a procedimentos disciplinares. 

Uma e outra situações estão completamente erradas. Melhor seria que aquela disciplina não contasse para nada, ou melhor, apenas contasse para a construção plena do ser humano. O movimento, seja ele qual for, está inscrito em tudo. É sublime. É educação estética. É cultura. E a cultura não se avalia por escalas de 1 a 5 ou de 0 a 20! Depois, lembrem-se do que Coubertin escreveu na Ode ao Desporto: "Ó Desporto, prazer dos Deuses! Essência da vida (...) Ó Desporto, tu és a beleza! És o arquitecto deste edifício que é o corpo (...)"

Ilustração: Google Imagens.

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