segunda-feira, 11 de setembro de 2023

EDUCAÇÃO - O monopólio do poder de governação

 

Quando só 15% das raparigas e 11% dos rapazes dizem, assumidamente, gostar da escola e 84% dos professores manifestam-se cansados da sua profissão e declaram o desejo, se pudessem, de procurar outras soluções de vida, aquelas percentagens tornam-se preocupantes, pelo que deviam fazer soar as campainhas de alarme relativamente ao sistema educativo. Mas não, para quem governa o sistema, tudo continua bem e recomenda-se! São páginas e páginas de auto-elogio. Para os cérebros do sistema, a rotina deve sobrepor-se à inovação. Compreendo que é muito mais fácil, mas, à luz do conhecimento e da vida, a factura virá pesada. Pior que a do passado. Aliás, já existem sinais.



A Região Autónoma da Madeira podia constituir um exemplo. Infelizmente, não é. Com cerca de 40 000 alunos, tem menos 15 000 alunos que o concelho de Sintra. Isto dado significa que, para além de desfrutar de Autonomia Político-Administrativa, reorganizar o sistema afigura-se-me que seria muito mais desafiante e fácil que gizar uma reforma para dois milhões de estudantes matriculados em Portugal. 

Ora, vejo-os a falar tanto de Autonomia e, afinal, num sector vital para o desenvolvimento, não mexer uma palha prospectivando o futuro constitui a primeira opção dos decisores. Talvez, por isso mesmo, se diga que a Madeira dispõe de uma Assembleia adaptativa e raramente legislativa.

Mesmo considerando as limitações constitucionais impostas pelo Artigo 164º, não é a República que define o paradigma organizacional dos estabelecimentos de aprendizagem, a tipologia das infraestruturas, as características da rede escolar, tampouco o paradigma pedagógico. O artigo 164º (Reserva absoluta de competência legislativa - alínea i / Bases do sistema de ensino) tem essencialmente a ver com a estrutura curricular e programática. E apesar de constituir uma notável incoerência com o verdadeiro e desejável estatuto de uma região autónoma, a Constituição não é impeditiva de uma alteração do pensamento estrutural que devia presidir ao processo de mudança organizacional da escola e da aprendizagem. Aliás, não se assiste a um qualquer movimento no sentido de propor as necessárias e clarificadoras alterações constitucionais.

O problema está no monopólio do poder de governação. É esta concentração da decisão que mata os estabelecimentos de aprendizagem, afasta os alunos e os professores e, por conseguinte, todos os actos inovadores, ao fim e ao cabo, a tradução na prática do que tantos pensadores, investigadores sociais, professores, autores e até empresários assumem como determinante para hoje e para o futuro. Tudo tem de passar pela "central" de comando, restando à escola o cumprimento do estipulado. No actual contexto, falar de autonomia dos estabelecimentos escolares constitui uma grosseira mentira.

A comprovar, passados alguns anos, o exemplo da Escola do Curral das Freiras continua a ser paradigmático. De rigorosamente nada valeram os resultados apresentados, dentro das regras-limite do próprio sistema, isto é, respeitando a Constituição e outros normativos. O êxito foi literalmente "castigado". Deram um primeiro passo contra a dinâmica de aprendizagem, impuseram um processo disciplinar e, logo de seguida, "acabaram" com a escola. E agora, os alunos do Curral estão enquadrados num estabelecimento de S. António/Funchal, com a falácia, repito, falácia, do número de alunos ser limitado para a constituição de turmas. Ignoraram que, hoje, existem outros formatos de aprendizagem que substituem (para melhor) o conceito tradicional de turma, de ano e de segmentação das disciplinas.

Aliás, aquele estabelecimento podia ter sido o embrião, a escola piloto de um sistema a dinamizar por toda a Região. Bastaria que predominasse a inteligência e o desejo de "dar gás" ao processo. Porque ali surgiram dinâmicas pedagógicas tendencialmente distintivas. Apesar de situada numa freguesia muito pobre, a escola, que se encontrava, salvo erro, no lugar 1 207 do ranking nacional, saltou, em 2016, para as da frente, com a melhor média entre os estabelecimentos públicos no exame nacional de 9.º ano. Uma peça jornalística divulgada pelo Público, caracterizou desta forma a dinâmica escolar: "O interessante é que tem 300 alunos, não tem campainha, nem trabalhos de casa e os horários das aulas batem certo com os do autocarro". Esta uma síntese compaginada com muitas outras que tornaram possível um melhor conhecimento, "apesar 92% dos alunos terem Acção Social Educativa (pobreza) e a internet não fazer parte das prioridades da maioria das famílias". Sublinho, não tinham tablets, manuais digitais e salas do futuro. E os alunos aprendiam. Não é que não existissem insuficiências ou caminhos alegadamente discutíveis, mas tudo isso fazia parte, também, do processo de aprendizagem dos professores da escola. O decisor político só tinha que aprender e não boicotar.

Este é o exemplo de maior significado do que designo por monopólio do poder de governação. Num processo destes, os professores são apenas meros executores de uma política e os alunos números. Não se lhes pede que coloquem a sua inteligência e o seu conhecimento ao serviço da comunidade educativa, apenas que cumpram o acto político decisor, a norma, o ofício, a circular, enfim, o processo burocrático em toda a sua extensão.

Como na altura escrevi, naquele processo, qual paradoxo, acabaram por matar a escola por "ciúme, traição, jogo duplo, perseguição, intriga, assassinato de carácter, difamação pública, linchamento profissional, medo, eu sei lá, tudo o que um bom argumentista e um realizador, estou certo, precisam para contar uma história subordinada ao título: "como matar, não matando".

Por vezes chego a pensar que não vale a pena continuar com textos que abordem o sistema educativo. Poucos se interessam pelo debate das questões educativas. Desde que os "pequenos" estejam na escola, está tudo bem! Mas vale. Embora o sistema peque por ausência de informação credível, debate público qualificado, inúmeros receios por parte dos professores, reflectindo-se no desinteresse que os estudantes nutrem pela escola que lhes oferecem, continua a ser premente dizer a plenos pulmões que "o rei vai nu".

E assim, esta semana, toma lugar no mais alto patamar do pódio, sua excelência a ROTINA.

Ilustração: Google Imagens.

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