quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Deus não dará a bênção!

 

Saiba, Padre Silvano Gonçalves, que nutro o maior respeito por si. Não nos conhecemos no plano pessoal, mas leio e tenho algumas referências dos sete anos que passei no Lombo do Atouguia (Calheta). Portanto, não considere deselegante da minha parte trazer aqui um comentário sobre uma frase que deixou na sua página de facebook. Escreveu: "Peço a bênção de Deus para o ano escolar que se inicia. Vinde Espírito Santo!"



Eu percebo a sua intenção. O Senhor é um Homem da Igreja e, portanto, por mera rotina ou não, as suas palavras, nesse quadro, podem fazer algum sentido. Respeito-as. Porém, entendo que Deus não deve ser para aqui chamado. E porquê?

Não estou a dizer-lhe que "invocou o nome de Deus em vão". Não é isso. O que me parece claro é que se deseja, tal como eu, uma escola verdadeiramente inclusiva, curricular, programática, pedagógica e organizacionalmente autónoma, de excelência e ajustada ao tempo que nos coube viver; se quer, tal como eu, uma escola com menos dependentes da acção social educativa; se deseja jovens e professores felizes no processo de aprendizagem para a vida, obviamente que tudo isto não depende da mão de Deus, mas dos Homens. E, nesta, como em todas as outas situações, não existem intermediários. Tal como a paz no mundo, as gravíssimas questões ambientais (vide a Encíclica Laudato si), as diversas formas de violência, os desequilíbrios e dependências mundiais, a fome, as migrações, a selvajaria económico-financeira mundial, a precariedade no trabalho, os direitos básicos constantes na Constituição da República, os baixos salários vs altos impostos, enfim, tudo o que nos preocupa, não depende de Deus, mas de nós, Homens e Mulheres. Se assim não fosse, parece-me óbvio que, há muito, com tantas bênçãos, pedidos, terços e procissões os nossos desassossegos estariam resolvidos!

Uma melhor escola, Padre Silvano, depende dos políticos e não de Deus. Uma melhor aprendizagem não depende do Espírito Santo. Depende da capacidade dos políticos serem ou não inovadores. E eles, creia, não têm sido. Depende, também, dos professores quererem erguer uma escola de e com futuro, que tenha o aluno e a vida como centro da sua acção. Depende da cultura dos pais e da informação que disponham sobre o que deve ser a escola. Depende de uma sociedade menos assimétrica que, aliás, está assustadoramente reflectida na escola. Portanto, jamais dependerá de Deus, mas dos Homens. Compreenderá, por isso, ilustre Padre que, em aproximação ao Evangelho (da Igreja interessa-me, sobretudo, a Palavra contextualizada com a vida), temos a obrigação de não sermos vazios, não transferindo para Ele preocupações e pedidos de ajuda que não lhe compete "dar despacho". Nem o Pai, nem o Filho, nem o Espírito Santo (Deus Triúno) podem ser responsabilizados pela ausência de projecto político sério e responsável.

Eu Cristão, baptizado, professor durante 40 anos, entendo que Deus não dará a sua bênção ao ano escolar, tampouco o Espírito Santo concederá a inspiração no sentido da concretização das urgentes mudanças que o sector educativo necessita. Essas mudanças dependem da cultura dos Homens, depende da sua vontade, depende da sua inteligência e concomitante capacidade para ver o sistema de uma forma alargada, visionária e integrada no conjunto de todos os outros sistemas. Depende dos políticos não desejarem ser "donos disto tudo", egoístas, centralizadores e castradores do pensamento livre. É por aí que devemos lutar e exigir (o Senhor Padre Silvano devia exigir nos vários púlpitos que dispõe), nunca pela solicitação de uma bênção para um processo que está errado na raiz. Pelo que sei da Palavra, Deus, certamente, não aprova os disparates dos Homens.  

Não me leve a mal o desabafo. Compreendo-o, mas não estou de acordo com a "solicitada" bênção. Mas, quando, até ao momento, mais de 800 pessoas concordaram consigo, inclusive, professores, provavelmente eu é que estou errado.

Ilustração: Google Imagens.

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