quinta-feira, 3 de novembro de 2016

ESPANHA E A GREVE CONTRA OS TPC


Inevitável. Começou em Espanha e, certamente, vai alastrar. "A Confederação Espanhola de Associações de Pais e Mães de Alunos (Ceapa), que representa cerca de 12 mil associações, instou as famílias das várias comunidades autonómicas espanholas a recusarem-se a fazer (...) os trabalhos de casa pois "invadem o tempo das famílias" e "violam o direito ao recreio, à brincadeira e a participar nas atividades artísticas e culturais", tal como vem descrito no artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança". (...) "Também queremos que o modelo mude e que se dê um salto qualitativo no sistema educativo. Escolas de outros países funcionam sem trabalhos de casa, sem livros de texto e sem exames e obtêm resultados magníficos".


Ainda há poucos dias foi aqui publicado um texto sobre a obsessão pelos TPC. Não bastam as intermináveis horas que as crianças passam na escola para, complementarmente, serem infernizadas com trabalhos "escolares para casa", gerando profundos desconfortos no seio das famílias e das crianças que, dessa forma, ficam cerceadas do direito de poderem viver um tempo que não volta. Por estas e muitos outros aspectos a organização escolar tem de mudar. 
Uma coisa é o sentido de responsabilidade pelo conhecimento, esse despertar que, paulatinamente, pode crescer nas crianças e jovens que as levem à necessidade de procurar ir mais longe nos diversos saberes; outra, absolutamente desconforme com a investigação já produzida, a de considerar que os TPC resolvem os diversos problemas designados por "défice de aprendizagem". A pergunta que governantes e professores deveriam fazer a todo o momento, talvez seja esta: através de um conjunto de estratégias eu ensino e ele não aprende. Porquê? Ora, na ausência da pergunta e de uma consistente resposta, a solução tem estado no massacre com tarefas que não resolvem os tais défices, apenas aliviam a consciência de quem as promove.
Em Portugal calcula-se que sejam cerca de cinco horas semanais o tempo destinado aos TPC. Maria José Araújo, pertence ao Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Universidade do Porto. Em um dos seus estudos concluiu que "uma criança pequena em idade escolar trabalha em média nove horas por dia, o equivalente ao trabalho profissional de vida de um adulto". (...) "Essas nove horas são sempre em função da matéria escolar. E mais: há pessoas que, quando eles têm um comportamento menos próprio, ainda os castigam com contas e cópias e fazer isto é o mesmo que dizer-lhes que o conhecimento é uma chatice". (...) "Os adultos trabalham sete horas e meia e chegam ao fim cansados. Levam trabalho para casa? Não levam!" (...) "há mais de 20 anos que se denuncia este excesso de trabalho e os consequentes malefícios físicos, psicológicos e morais para as crianças". Leio: Os Trabalhos para Casa (TPC) de Catarina, sete anos, mudaram a vida de Vanda que deixou de ter actividades com os dois filhos e amigos após o trabalho, para chegar a casa o mais rapidamente possível para a criança, diariamente, "escrever, por extenso, 30 números, duas ou três cópias, escrever três vezes uma determinada tabuada e ainda duas frases do dia, por exemplo" (...) "Um exagero. Entrava na escola às 09:00, chegava a casa às 18:00 e ainda ficava uma hora, uma hora e meia a fazer trabalhos. Às vezes eram dez da noite e a miúda a fazer trabalhos". Alguém de bom senso pode aceitar uma situação destas?
O sistema educativo tem de passar por uma completa ruptura com o passado. Ninguém aprende com trabalhos de casa. A escola é que tem de mudar, radicalmente, a perspectiva pedagógica. O que significa, também, ter de mudar de paradigma curricular, programático e organizacional. É o que está acontecer um pouco por todo o lado. E os governantes, neste contexto, não podem ser meros administrativos. A sua postura política terá, necessariamente, de enquadrar-se no campo visionário baseado no conhecimento científico. Parece-me que lhes falta essa componente. Daí que saúde a greve dos pais e estudantes em Espanha. É um bom sinal.
Ilustração: Google Imagens.

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