sábado, 24 de junho de 2023

Acabaram por "matar" a Escola do Curral das Freiras


Permanece actual a resposta de Zygmunt Bauman (1925/2017), Sociólogo e Filósofo, quando lhe perguntaram sobre as consequências do encerramento de escolas do interior, respondeu: "(...) o fechamento das escolas localizadas nas comunidades rurais provoca o "fechamento" da comunidade. Isto porque, as escolas nessas localidades funcionam como coração que traz vida à comunidade. Nesse sentido, quando há o fechamento das escolas, as comunidades enfraquecem-se". 



As comunidades ficam debilitadas, eu diria amputadas porque o encerramento tem custos sociais, económicos, financeiros, acentuam a desigualdade, o desenraizamento das crianças e jovens e provocam uma maior pressão sobre os estabelecimentos de aprendizagem para onde os alunos  são deslocados.


Quando bloqueiam uma escola pode significar que os políticos de turno estão a transmitir à população um sinal que aquele local não tem futuro. 


Isto vem a propósito de uma notícia da secretaria regional da Educação da Madeira que dá conta que no próximo ano escolar os alunos do 5º ao 9º ano da Escola Básica do Curral das Freiras vão transitar para a Escola Básica de S. António no Funchal. Acrescenta a notícia que o problema será solucionado pelos Horários do Funchal e com a transferência dos professores. E, provavelmente, em 2026, fechará de vez, ficando para ali um prédio que, presumo eu, tal como em S. Jorge, será transformado em lar de Idosos! Definitivamente, aquela terra não é para jovens, porque ignoram que uma escola não é um prédio... são pessoas.

Assume o governo que 39 alunos não dá para formar turmas. O que isto significa é que o governo, melhor dizendo, o secretário regional da Educação, norteia a sua actividade através de um pensamento centrado no passado e, por isso mesmo, ultrapassado. Demonstra que não evoluiu no conceito tradicional de turma e de ano. Entre muitos outros dou um exemplo: visitei, em Março de 2022, a Escola da Ponte, em Vila das Aves. Nessa altura escrevi um texto do qual saliento a seguinte passagem: 

"(...) A Margarida e o Afonso (7º ano), de forma fluente e segura explicaram-me tudo: logo à partida, que ali, as regras, os princípios e os valores da escola, os direitos e os deveres nascem dos próprios alunos e que são ratificados na assembleia de escola. São eles que determinam os compromissos. A qualquer momento retiram ou acrescentam os direitos e os deveres. A pandemia veio perturbar a nossa organização, disse a Margarida, mas aos poucos "estamos a retomar". E os currículos e os programas, questionei. Nas salas estamos por grupos, em mesas de configuração redonda, disse o Afonso, e na mesma sala podem estar alunos do 7º, 8º e 9º anos. Atalhou a Margarida, "eu estou no 7º, mas já me encontro a estudar temas do 8º. Nós decidimos por onde começar as tarefas quinzenais, os mais velhos explicam aos mais novos, nós procuramos, investigamos e, individualmente, quando sabemos, pedimos a avaliação ao professor, que pode ser escrita, oral ou através de trabalhos". Disse o Afonso em jeito complementar: "no mesmo espaço podemos aprender, cada grupo na sua tarefa, o inglês, o castelhano e o português" (...) "O mais contagiante é a serenidade como tudo acontece. Espreito os espaços de aprendizagem e ali constato e experimento o interesse em saber, a compenetração, o computador e o telemóvel como auxiliares, a transversalidade das aprendizagens que rigorosamente nada têm a ver com a imagem de um professor que debita aos alunos tornados meros receptores de uma dada matéria. E que os avalia em conjunto!"

Portanto, 39 alunos são mais do que suficientes para que a escola funcione. Deslocar alunos é péssimo para a localidade, para os professores e para todas as dinâmicas sociais que uma Escola oferece à comunidade local. Mas, para isso, quem decide tem de ser, simultaneamente, aluno humilde e assumir, tal como os mais jovens, a curiosidade como pressuposto determinante da sua acção, indo aprender onde outros paradigmas organizacionais acontecem e com resultados muito bons. Um governante, repito, tal como os alunos, têm de sair do seu espaço (a dita sala de aula ou gabinete de governo), tem de ler muito e tomar consciência que os cubículos convencionais do pensamento organizacional de ontem, de que falava Alvin Toffler, não se adequa ao tempo que estamos a viver, muito menos a preparar o futuro. Por isso, a ideia de turma e o conceito de ano escolar estão ultrapassados. Mesmo face ao que, lamentavelmente, o país ainda impõe, concretamente, os currículos e os programas, outros formatos pedagógicos são possíveis. Fechar é que nunca!

Mas o encerramento não é por acaso: primeiro, foi a retirada da autonomia através de um processo maquiavélico (2019/2020), agora o encerramento parcial (5º ao 9º ano) e lá para 2026, refere a peça jornalística, o encerramento será total. Faço um esforço para me conter, para não expressar o que me apetece. Estão mais preocupados (plano político) com essa mistificação das "salas do futuro" do que com as crianças e jovens. E a propósito, porque as palavras e os pensamentos são como as cerejas, já que aqui trouxe a Escola da Ponte (poderia de outras abordar, públicas e privadas), deixo este registo do Professor José Pacheco, quando interrogado sobre as "salas do futuro": "(...) Se o projeto se refere a salas de aula, será mais um projeto-paliativo porque, no futuro, não haverá salas de aula". A seu ver, o que é que haverá, então, perguntou o jornalista... "Certamente, a concepção e desenvolvimento de uma nova construção social de educação. Aquela que foi concebida no século XIX correspondeu às necessidades sociais do século XIX… Para uma Educação do Futuro, uma Escola de futuro. É absurdo falar em salas de aula, quando se fala de Educação do Futuro".

Ilustração: Google Imagens.

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