quinta-feira, 15 de junho de 2023

Maioria dos alunos no ensino profissional continua a vir de meios mais desfavorecidos


Por
Daniela Carmo
Foto de Manuel Roberto
Público


No secundário, 45% dos alunos estão no profissional. Portugal está no 19.º lugar da tabela da UE com mais alunos neste ensino Público.


O ensino profissional foi inicialmente construído como veículo de inclusão social. São alunos que não querem ir além do ensino secundário, com baixo desempenho escolar e muitas vezes provenientes de um meio socioeconómico desfavorecido. Este é o grupo dominante de estudantes a terminar o ensino secundário pela via profissionalizante, ou seja, no ensino secundário profissional (ESP). A caracterização do perfil dos alunos do ESP é publicada hoje no estudo Como Valorizar o Ensino Secundário Profissional? Dilemas, Desafios e Oportunidades, desenvolvido pela plataforma Edulog, uma iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo, em colaboração com a Universidade de Aveiro.

Apesar do segmento dominante de estudantes, há dois outros grupos em crescimento: são eles os alunos orientados para o mercado de trabalho e os que pretendem continuar os estudos no ensino superior. A análise do Edulog debruça-se sobre os percursos de formação no ESP em Portugal, os constrangimentos e vantagens a ele associados, assim como sobre a imagem social deste tipo de ensino.

Inicialmente construído como veículo de inclusão social e de combate ao desemprego, descreve a análise, o ensino profissional evoluiu nas últimas décadas e a abordagem actual “é mais funcional e orientada para o capital humano”.

Quase metade dos alunos do secundário (45%) frequenta o ensino profissional, o que coloca Portugal no 19.º lugar do ranking europeu de países com mais alunos a frequentar esta tipologia de ensino, de acordo com os dados agora divulgados. Nos patamares mais acima estão países como a República Checa (73%), a Finlândia (71%), a Croácia e a Áustria (70%), a Holanda e a Eslováquia (69%), a Eslovénia (67%), e a Suíça (65%), com mais alunos no profissional. O ranking internacional consta do relatório intermédio Caracterização do Ensino e Formação Profissional em Portugal, Análise de Dados Secundários — 20152019, publicado em 2020.

Ao PÚBLICO, David Justino, membro do conselho consultivo do Edulog e antigo ministro da Educação, refere que “o estudo pretende ser um contributo” para a reflexão sobre o ensino profissional no secundário em Portugal, sobre o qual persiste ainda “um défice de imagem e pouca notoriedade social”, como refere o relatório.

“Há muitas escolas com ensino profissional, públicas e privadas, que estão a trabalhar muito bem. Elas existem um pouco por todo o país. Há que as incentivar, dotá-las dos recursos indispensáveis, aprender com elas e divulgar essas experiências bem-sucedidas. Eu diria que é urgente criar uma rede de escolas de referência, seleccionadas a partir de uma avaliação rigorosa do seu desempenho e do seu contributo”, abona David Justino quanto à imagem social do ESP.

No caso português, apesar da evolução, “os estudantes do ESP continuam a ser quase exclusivamente oriundos de segmentos menos favorecidos da sociedade”. Segundo informação disponibilizada pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), de 2020, e publicada no relatório, há alguns indicadores que têm vindo a marcar o ensino profissional em comparação com os estudantes do ensino regular: nesta tipologia, os diplomados têm uma idade média mais elevada, têm notas mais baixas (em concreto a disciplinas como Matemática, Português e língua estrangeira), e pertencem a famílias menos escolarizadas.

É por isso que o antigo ministro da Educação destaca “dois contributos inestimáveis” do ensino profissional: “Ajudou a reduzir os níveis de abandono escolar, contribuindo para a concretização da escolaridade obrigatória através de níveis cada mais elevados de escolarização da população mais jovem” e, por outro lado, “é um contributo para a qualificação dos recursos humanos e para o desenvolvimento económico em vários sectores que se têm distinguido na economia portuguesa”.

Quando analisado o nível de escolaridade dos pais dos alunos que escolhem a via profissionalizante no ensino secundário conclui-se que apenas 9% fazem parte de famílias com o superior como o nível de escolaridade dominante, estando a maioria inserida em níveis de escolaridades inferiores. A análise do Edulog deixa várias recomendações para a valorização do ensino profissional. Entre elas está a clarificação do perfil dos alunos do profissional. Além do grupo dominante de alunos, há outros dois grandes segmentos a optar por esta via.

O segundo grupo que mais alunos engloba é o dos estudantes cuja escolha pelo ESP é determinada pelas saídas profissionais e pela maior ligação ao mercado de trabalho. “São estudantes com bom desempenho escolar anterior, tendo uma preferência específica por uma determinada profissão, e que pretendem aumentar o sucesso na integração no mercado de trabalho”, refere o documento. A escolha pelo ensino profissional é determinada pelas saídas profissionais e pelos níveis de empregabilidade. Já o terceiro grupo, ao contrário dos restantes, não tem intenção de entrar no mercado de trabalho uma vez terminado o ciclo de estudos, mas, antes, no ensino superior. Os alunos vêem no ensino profissional uma ferramenta capaz de aumentar a probabilidade de entrada no ensino superior, “seja por facilitar a conclusão do secundário, seja por permitir a obtenção de médias finais mais elevadas”. De acordo com o relatório, trata-se de “um grupo ainda muito reduzido de estudantes, mas que se afigura como uma tendência crescente”.

Apesar do crescimento, estes dois últimos grupos de alunos são ainda minoritários. A percentagem de jovens que se inserem no mercado de trabalho após concluir o curso profissional, a maioria, é muito maior do que nos cursos científico-humanísticos. De acordo com os dados recolhidos, em relação aos diplomados entre 2010 e 2019, 38% dos alunos que concluíram o ensino secundário profissional estavam a trabalhar nos 14 meses após a conclusão.

Cerca de 43% dos estudantes que se formaram em Ciências, Matemática e Informática estavam empregados, em Serviços eram 36% e 35% em Engenharia, indústrias transformadoras e construção. Quanto aos alunos que seguem estudos no superior, segundo dados de 2021, quase três quartos das vagas da “via verde” para alunos do profissional ficaram vazios. São números que não surpreendem o antigo ministro da Educação. “Os cursos profissionais não foram concebidos para prosseguimento de estudos no superior. Foram pensados para a formação de profissionais qualificados prontos a entrar no mercado de trabalho”, reflecte. Vê com bons olhos a existência de uma via de acesso ao superior para os alunos dos cursos profissionais, “mas essa não é a finalidade central deste ensino”.

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