sexta-feira, 23 de junho de 2023

Entendam: "Mais escola não significa melhor escola"


Não tenho presente quem afirmou, sei, apenas, que há muitos anos é dito: "Mais escola não significa melhor escola". Recentemente li uma entrevista com o Psicólogo e Psicanalista Eduardo Sá, no decorrer da qual foi incisivo: "(...) Escola demais faz mal às crianças. A escola é fantástica e indispensável, claro, mas há uma tendência incompreensível para que, também em Portugal, as crianças passem tempo demais na escola. Mais escola (ou, se preferir, mais tempo de escola) não significa melhor escola. Se quisermos ser didáticos para os pais, devemos dizer que a família é mais importante que a escola e que brincar é tão essencial como aprender. E mais: devemos dizer que a hierarquia das prioridades para as crianças deveria ser em primeiro lugar a família, em segundo a "escola da vida", em terceiro o brincar e, finalmente, a escola propriamente dita. Ao imaginarmos a vida diária duma criança, não devíamos nunca deixar de levar em consideração que estes compromissos com o crescimento precisam de tempo para que, em conjunto, ajudem as crianças a namorar com a vida e, ao mesmo tempo, para que elas aprendam a crescer e aprendam a pensar (...)"



Mas os políticos, atrevo-me a dizer, coitados, dificilmente entendem isto. Li, na edição de ontem do Dnotícias, que os estabelecimentos de aprendizagem da Madeira iniciam o próximo ano a 7/8 de Setembro e os 2º, 3º e secundário na semana seguinte.

Olhando para o calendário nota-se a tendência para o encurtamento daquilo que antes era considerado "as férias grandes". Lá vai o tempo que tudo se iniciava a 07 de Outubro, pelo que, por este andar, não demorará que o final de Agosto seja apontado como data desejável. Tudo contra os interesses das crianças e dos jovens. A pergunta que julgo que deve ser feita é esta: para quê? E falam dos "Direitos da Criança"!?

Ah, sei, isto tem uma resposta: paulatinamente, a escola transformou-se numa espécie de armazém, por três razões: porque constitui uma solução para a desorganização social e económica, onde subsiste também a errónea ideia que "mais trabalho significa melhor trabalho"; segundo, porque, em devido tempo, não foram acauteladas as repercussões resultantes da natural e necessária entrada da mulher no mundo laboral, que implicava ter um outro e mais assertivo olhar para a família; terceiro, porque para quem, politicamente, assim define, a sociedade tem de acompanhar a cultura "da pressa e do nanosegundo" (Peter Drucker), logo, transmitir desde muito jovem essa cultura, a competição desigual, a meritocracia e a falsa necessidade de antecipar aquilo que designam por conhecimento. Só se esqueceram que o ser humano é o animal que mais tempo tem de infância. Por que será?


Regresso ao Psicólogo Eduardo Sá: "(...) parece-me que os pais ganham se entenderem que, em primeiro lugar, as crianças devem brincar com o corpo (...) crianças mais amigas do corpo são crianças que se expressam melhor, de modo mais expressivo e mais proativo. (...) Afinal temos cada vez mais adolescentes iletrados: que sentem, que discorrem mas que, ao não conseguirem traduzir a vida mental em língua materna, transformam em angústia aquilo que seria traduzido em palavras e com isso adoecem (...)". Adoecem, sublinho.

O jubilado Catedrático Professor Carlos Neto continua a insistir na tecla de sempre: "Libertem as crianças" (...) Todos os estudos apontam que as crianças activas têm mais capacidade de aprendizagem, de concentração, além de, a longo prazo, maior probabilidade de terem sucesso (...) Estamos a criar totós, dependentes, inseguros e sem qualquer cultura motora. Vemos crianças de 3 anos que, ao fim de dez minutos de brincadeira dizem que estão cansadas, outras de 5 e 6 anos que não sabem saltar ao pé-coxinho. Já as de 7 não sabem saltar à corda e algumas de 8 anos não conseguem atar os sapatos. É o que chamo de iliteracia motora" (...) Todos os estudos têm vindo a demonstrar que na infância, até aos 10/12 anos de idade, é absolutamente essencial brincar para desenvolver a capacidade adaptativa. E hoje não é isso que estamos a fazer. Estamos a dar tudo pronto, tudo feito, e não a confrontar as crianças com problemas que elas têm de resolver. Sejam eles com a natureza; sejam eles com os outros". Acrescento: estão a matar a infância, o tempo de ser criança, a aprendizagem, a curiosidade, porque secundarizam o jogo infantil e porque impõem um pensamento à revelia do desenvolvimento motor e cognitivo. Se desejem adultos capazes, libertem as crianças, não se preocupem com conteúdos fora de tempo e, sobretudo, não as fechem em salas.

Transformar a escola num "armazém" corresponde à antítese do que é defendido pela comunidade científica. "Aprender coisas", porque existem programas ou linhas programáticas, cada vez mais cedo, constitui um absurdo. Há um tempo próprio. Temos milhares e milhares de homens e mulheres que regressavam à escola a 07 de Outubro e que foram e são brilhantes nas suas vidas académicas e profissionais. E em todos os sectores e áreas do conhecimento, acrescento. Então, para quê tanta pressa? O Senhor Secretário regional da Educação já se esqueceu do que lhe transmitiram, entre outras, nas aulas de "Desenvolvimento motor" e "Psicofisiologia do comportamento motor"?

Ilustração: Google Imagens

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